segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Sofrimento


Dorme a noite incólome por detrás do riso. Ressentido e descrente de tudo que enxergo, se é que enxergo, se é que me pertence, caminho adiante até os calcanhares das noites de vales escuros; fortemente sensibilizado com o som e o sono de minha própria voz. Estou sozinho com a escuridão que se preenche envolta num cobertor de frio. Migro, inerte de tanta dor, para dentro deste ar pesado que se encontra no vácuo, sem haver esquiva. - A noite, esta cega pusilâmine, se preenche e se esvazia por si só, todos os dias. Que há mais a frente?

Surge, mais uma vez, o velho de rugas que reconheço de pronto. Sou eu ali ao lado. Será que pretendo mesmo ser? Já me conheço e nunca me esqueço. Sinto, apenas, a compaixão do monge cego na caverna e ofereço o pescoço como reconpensa; sem o regurgirtar solapos do medo. Tudo me preenche e tudo me esvazia: não há canais para mais adiante ou num compassado tempo.

Pertenço à morte, e aquela damizela, que oferece os orifícios aos desavizados, de trapos limpos e muito antes tocados, me pertence. Ela bebe, num crânio vazado por foramens, ao meu sofrimento. Quem quiser se envaidecer com este lirismo decotado, que se entregue aos beijos lacivos de uma serpente e silencie meus gritos mudos;certamente há de encontrá-los. Aos tolos, digo apenas que não será qualquer vale sombrio que trará convulsões ao silêncio.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Carta sobre o bureau


"Quando eu era pequeno, bem menor do que sou hoje, pensava que era impossível encontrar inteligência onde havia beleza. A convivência contigo, prova o contrário. É possível, sim, encontrar inteligência onde há beleza – e das mais belas, pois carrega o dom de Ser Sensível. – Há mais beleza na inteligência quando esta não é frívola, e a tua me parece eterna, assim, dentro do olhar.

Dos pequenos atos que guardo na memória quando lembro de ti, porque mais retiro do que me forneces, ficam três imagens repetidas. Na primeira, estamos no primeiro semestre do curso e ficamos surpresos ao saber que a palavra “opinião” possui um “i” entre o “p” e o “n”, Na segunda, você sai do silêncio e emite um comentário sobre o meu cabelo. Agora, tu, ficas a rodar o celular rosa ao lado do livro de entrevistas da Clarice, emborcado.

Quero dizer que não estou “dando em cima”, hoje tudo que está escrito é levado com tanta seriedade... Estou retribuindo a gentileza carinhosa do teu olhar, aquele que me lembra as mulheres do “Poetinha”, das que sofrem. Onde quer que estejas, quero, desde já, deixar em tua memória este elogio da Beleza Sensível, algo para guardares somente para ti! Algo que faltava, neste mundo tão frívolo, e você revelou.

Fica esta carta abanando o nada em cima do bureau. Junto, compartilho uma poesia do Pessoa. A mesma nos ensina que há mais sentido nas coisas simples da vida do que em nossos problemas complicados.



Carta sobre o bureau, à Caroline B.
em 26 de agosto de 2009

domingo, 14 de junho de 2009

Quebra-cabeças


Difícil encontrar, senão tomar por raridade, encontrar no Orkut alguém com tantas comunidades ligadas a gostos particulares tão eruditos. Beethoven, Manet, Münch, Rembrandt: tudo isto colabora para um primeiro relance sério, sério demais. - “Minhas respostas são limitadas. Você deve fazer as perguntas certas” é bem a frase que coroaria a impressão de um primeiro encontro com a Esfinge. Sim, ela veio para confundir, não para se explicar.

Leva, ou pelo menos inventou para si, um nome germânico-abrasileirado. Teria vindo do nome de uma Valquíria?! Becker-Moura: mais duas culturas aqui. A moça do único retrato em preto e branco, cortinas ao fundo e câmera segura pela mão direita é uma sopa cheia de porções bem dosadas, um quebra-cabeça para matemático resolver. Newman, Hawking, Teoria do Caos, Teoria dos Jogos,... Nash?! “Superior incompleto” em “educação”: humanas ou exatas, música, literatura ou matemática?!

Posso estar levando tudo muito a sério, quando na realidade o que ela quer mesmo é estar perdida com o Sayid! (sic) Até o humor de Cacilda é letrado, veja bem: “Famosos Diálogos no MSN”, “Piadas da Música Erudita”. Conheceria a atriz Cacilda Becker (1921-1969)?! Jovem, sim, muito jovem. Junto a esta certeza, que abraço como se fosse a única parte que posso encarar como séria, séria em definitivo, é que não suporta “Pin-ups. Dispersão. A gargalhada inútil” e que lhe atrai “inteligência”. Elementos muito bem compostos com o fundo erudito.

De Gêmeos. Comunicativa e contraditória. Como foi mesmo que ela chegou até a minha foto de meio sorriso e camisa verde? Meu sorriso, ou talvez minhas bochechas, lembram-me o sorriso dela. Acho bonito notar, ou, pelo menos, imaginar isso. A franjinha sobre a testa, a falta de luz na altura dos olhos produzindo olheiras: se olhasse por três minutos consecutivos esta tua única foto teria a impressão de ter visto o movimento que a produziu.
Coincidências, “descoincidências”. A flauta de pã, ela brincalhona falando com alguém no outro extremo do país. Coisas de Internet.
Carta à C.B., ainda não entregue.

domingo, 12 de abril de 2009

Transatlãntico Recife

Mickey,

escrevi isso hoje pela manhã. atrasado como sempre nos e-mails. talvez nem seja um e-mail, talvez seja uma pergunta. não tem novidade minha, não tem conclusão. é isso e está pronto para zarpar num barquinho de papel.


***

"No ano em que saímos, digo no plural porque pouco tempo depois você também iria se mudar de Recife para os Estados Unidos, tocava diariamente All my life na MTv. O hit saía pela banda americana de David Grohl, Foo Fighters. Você tinha a cara dessa música, te ver, mesmo com aqueles espaços enormes de entretempo, tinha um ritmo diferente. Era gostoso te ter, te ser, te ver. Soava exatamente daquela maneira, daquela música. A vida parecia disposta a mudar, mudar a qualquer instante, para qualquer direção. O que mudou?

"Durante algum tempo, ainda quando morava no primeiro apartamento que estive no retorno à Fortaleza, decepcionado com o namoro que se tornava dependência, eu pensava assim: queria poder te ver, ah! se fosse possível trazer para morar comigo, te fazer feliz. Eu estaria bem dormindo bem ao teu lado e te vendo sorrir. Que sorriso belíssimo você tem!

"Eu não sei contar os anos, confesso até que a vergonha deles me atingindo me deixam totalmente envergonhado, sei que hoje dou a definição de amor àquilo tudo. Mas quanto tempo faz desde a última conversa cara-a-cara? Talvez sempre tenha dado o nome de amor isso que sinto, a razão para isto é que amo, e como amo!, as pessoas mais queridas de toda a minha vida. Quero-as bens mais do que a mim mesmo. Estou errado ou só nisso? Só assim aprendi a viver.

"Tenho um coração aí e outro aqui. O meu se aperta aqui toda vez que pergunto como você está. Basta um muxoxo teu e me desanuvia tudo: esqueço dos meus problemas, me sinto preocupado e impotente. Nessas horas, que vontade de te pôr no colo, redefinir o passado como fazem os caminhos de areia por cima das dunas, estancar. Estar ao teu lado, permitir que você possa ser sensível sem tantas preocupações de julgamentos que atacam, te acariciar.

"Mas, nós agüentaríamos por quanto tempo um romance imaturo e extremamente intenso?! Me perguntei tantas vezes isso! E, sabe, a única resposta é que sinto algo interrompido. Ah!, que diferença faz e que pecado há em pensarmos que sempre seríamos felizes um com o outro... Afinal, sonhar não são ilusões. (Nem quero criá-las, veja bem). No “país do carnaval” serria assim: apenas a imagem do mestre sala reencontrando sua preferida porta-bandeira.

"Beijos, beijos, beijos!

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Carta a uma (sempre) desaparecida


No dia em que conheci a Vanessa, e não naqueles dias em que se julga tão de-pronto-entendido, uma enorme bexiga explodiu em meio à imensidão das coisas. Não haveria outro modo de ser, o medo, a eterna insegurança de ser dragado em direção à alguma coisa disforme, sugado e sufocado por algo muito maior do que d(eu)s.

Um encantamento me tomou pela mão, me chamou. Sofregamente, pesadamente ou levemente como um sobressalto feliz. Sei que tranqüilamente me aconhegou, e eu quis mais. Como a esperança de uma vida porvir. Assim me fez feliz e desnorteado, como num tormento. Como a vida e a morte assim que estamos diante deles.

A banda alegre que segue, sem pretensões, sob teus dedos, como se tocasse flautas de bambus num violão. Poderia ser meu funeral, poderia ser feliz. As extremidades das mãos tão coloridas, este delírio, como se saltasse cordas possuindo as notas escritas sobre os dedos. Tua voz rouca. Eu não soube o que fazer ou ond´estava. Estava ali, para te fazer companhia num vale encantado de pesadelos ou sonhos. Apenas para isto.

depoimento à Vanessa Castro
em 09 de dezembro de 2008

Detalhe do quadro "A Noite Estrelada", de Vincent Van Gogh.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

resposta


Eu amo tudo que está a passar, mas também amo a permanência dos sentidos, os odores das palavras, o balé dos olhos. Em mim, tudo isto está conectado feito a névoa de um Sonho, mas não é apenas em mim que ele se ritualiza, e se atualiza!

Eis o Belo de meu Sonho! eterno e não tão só, passadiço e não pueril. O Belo para quem tem a alma multiplicada na ponta dos dedos. De quem já se feriu muito em cada corte, profundo ou concreto, hoje transformado em trajeto, encanto desenhado na carne da alma feito rugas.

E se há alguém de perguntar se meu Belo existe, lamento dizendo que meu Belo só existe onde há Estrangeiros se encontrando. O Belo, ao menos para mim, jamais será permanência do lado oculto da sombra, o Belo está para a permanência em execução, difusa ou irreal.


resposta à você, em atraso ou muito adiantado, como sempre.
24 de novembro de 2008
Quadro: Hylas and the Nymphs, John William Waterhouse(1896)

domingo, 9 de novembro de 2008

Carta ao meu amigo, primo e irmão de infância


Quando me pediram para que eu revisitasse meu primo, juro que sofri um calafrio tão diferente do que normalmente sinto. Senti medo, talvez o sentimento mais comum da existência humana. Sofri de medo porque recebia com o receio a demanda de me reaproximar de uma pessoa que, não só por estar no mesmo lado da família que estou, me acompanhou a infância, depois parte da adolescência e agora algum estágio da vida um pouco mais maduro. Mas, não foi eu ou ele quem pediu a reaproximação desta vez e, quando costumam fazer isso, soa responsabilidade: e eu sou péssimo em responsabilidades tomadas! Nem ele sabia disso do que estou falando, talvez quem leia não entenda ou nunca vai saber o que é dito.

A verdade é que, ao revê-lo, senti novo medo de não saber acompanhar-lhe o ritmo pelo tempo que se dissipou. Pouco a pouco tais coisas foram se apagando, e, pelas minhas sensações tomadas a esmo, fomos voltando a ser um o braço esquerdo do outro: não o mais forte, mas o mais seguro de se estabelecer. Tenho em ti, hoje, meu primo e meu irmão, a certeza de duas almas que não se julgam por nada neste mundo, é justo por isso podemos ser transparentes um para o outro, mas que, pela maturidade que atingimos nos julgando frágeis, temos alcançado a força nunca antes imaginada. Estaremos sempre, como sangue e vaso, um dentro do outro.

depoimento a meu primo, amigo e irmão para sempre
9 de novembro de 2008